Olhei-o bem nos olhos, enquanto levantava o cálice de vinho.
"À nossa", disse-lhe.
O sorriso dele refletiu-se no vidro e o seu olhar denunciava não conseguia esconder os sentimentos que o instante lhe causava.
"À nossa, a ti", respondeu-me ele.
Nessa altura, ultrapassei finalmente todos os receios com que tinha ficado ao sugerir-lhe que jantássemos juntos. Durante semanas, a ideia foi passando pela minha mente. Várias noites acordei a pensar nele, a imaginá-lo ao meu lado. As minhas mãos foram substitutas das dele, a tocarem-me, a acariciarem-me, a levarem-me ao êxtase. Na altura do clímax, murmurava o nome dele, baixinho.
Mas eu julgava que ele estava fora do meu caminho. Outra tinha lugar no seu coração.
Eu havia passado recentemente pela quebra de uma relação e sabia, sentia bem dentro de mim ainda o que até uma breve sugestão da minha parte podia causar. A sombra da minha hecatombe emocional inibia-me de causar alguma semelhante noutras pessoas. Mas o meu coração ansiava por uns momentos com ele.
Podia tê-lo nas minhas noites de insónia, construindo o nosso prazer, contando apenas comigo. Mas a minha pele não substituía a dele, os meus gemidos eram incompletos sem ele, a minha cama, só comigo, estava vazia. Ah, como a angústia dessas semanas me consumiu. Como, de cada vez que me aproximava dele, tentava disfarçar a minha vontade, a minha confusão, o meu rubor. Algumas vezes apanhei-me a balbuciar como a adolescente que já fui há uns anos. Não era possível estar a voltar a esses tempos, de amores ocultos, de paixões não consumadas. Afinal, muitas histórias se tinham passado desde aí.
A dúvida consumia-me: deveria dar o primeiro passo? O que pensaria ele? Como encararia eu a eventual rejeição dele? E se ele aceitasse, o que seria o dia a seguir? Nas minhas noites de angústia, nem o carinho das minhas mãos me acalmava o fogo.
Até um dia. Casualmente, começámos a falar de restaurantes, comidas, vinhos. Ele pareceu deliciado por encontrar alguém com gostos idênticos (foi claro para mim na altura que não era o caso da sua actual companheira de noites). Mais um pouco e percebi que o mundo dele era, afinal, tão complexo quanto o meu. Que a tempestade de emoções porque eu tinha acabado de passar, também o assolava a ele. Que a sua vida não era idílica como parecia.
E o convite surgiu de forma quase natural. O meu restaurante favorito, à beira do mar, o meu vinho favorito e o retomar da capacidade de sorrir. Rir, rir é a minha paixão. E se ri nessa noite.
Ao olhar para os olhos dele, finalmente, directamente, percebi que nada, nada mesmo, pode prender os nossos sentimentos pelos outros. Há que levá-los às últimas consequências, sem medos, sem remorsos.
E quando, mais tarde nessa noite, com ele me reencontrei como mulher plena e senti a sua fragilidade de homem na minha pele, na minha boca, nas minhas mãos, percebi que me tinha libertado.
Podia não haver o dia seguinte. A história podia terminar ali. Mas a noite ainda era longa, bela, e estávamos juntos.
E, no que foi o momento mais lúcido da minha vida, decidi viver aquele momento, a cada instante como se não existisse outro. Mesmo que não voltássemos a encontrar-nos, senti que a estrela dele brilhava para sempre no meu firmamento. Que esta noite valia por si só, com entidade autónoma nas nossas vidas. A noite em que os nossos vendavais se acenderam e amainaram.
E em que, no final, ambos conseguimos ver muito para além, para o céu azul que advém após uma grande clarificação da alma.
Ela podia ser Eu....ele é que não pode ser Ele.
6 meses de blogosfera....
Revelo um presente que recebi há algum tempo.
Aguardava o regresso da amiga/autora para o publicar.
Mas aprende-se por aqui que tal como na vida,
há coisas que não voltam
por isso devemos sorvê-las ao máximo enquanto existem.
Mas algumas, as Belas, deixam saudades....